Meu Avô, José Vargas – Parte II

            Eu prometi que contaria como eu acabei indo para a África por causa do  meu avô. Então vamos lá!

            Meu avô sempre foi uma fonte de inspiração e um influenciador em minha vida. E ele conquistou este espaço ao longo de toda a minha vida, com todas as coisas surpreendentes que ele realizou. E com a sua integridade, capacidade de comando e doçura, era fácil fazer qualquer coisa que ele pedisse. Pois queríamos sempre agradá-lo, tentando de alguma forma retribuir o amor que ele nos dava.

            Para ser franco, a impressão que tínhamos de meu avô, era de que a idade não havia chegado à ele. Apesar de seus oitenta anos, ele era muito, muito ativo. Ele estava sempre sonhando, se relacionando com pessoas e arranjando novos projetos para realizar. E ele amava um desafio!

            Certa vez, alguns anos antes, em seu sítio, ele me desafiou para irmos correndo do lugar que estávamos até o sítio. Uma estrada de terra, com subidas e descidas íngremes, ao longo de 3 km. E sou obrigado a confessar que  aquele velinho ganhou de mim. Nós só paramos quando eu admiti que eu precisava descansar um pouco. Mas deixando de lado minhas qualidades atléticas e voltando ao que realmente interessa…

            Naqueles dias, meu avô acabou por conhecer um casal de missionários que havia regressado à pouco de Guiné-Bissau, na África. E ali puderam relatar um pouco do que eles viram, viveram e presenciaram. Um casal muito querido e dedicado. Que acabaram por cativar o nosso coração e atenção.

            Aos poucos este relacionamento foi se estreitando. E meu avô resolveu apoiá-los de diversas formas. Inclusive financeiramente. O que fizemos ao longo de muitos anos. Logo conhecemos um pouco da história daquele lugar, das necessidades daquele povo sofrido, vivendo em um país destruído por guerras civis sucessivas, com toda  a infra-estrutura minada. E as poucas pessoas com alguma condição e oportunidade, fugiam como podiam em busca de uma vida melhor. O que sobrava então era um país sem infra-estrutura, sem conhecimento, sem professores, com um índice de analfabetismo beirando os 95%, e uma expectativa de vida de aproximadamente 30 anos. No interior do país, as pessoas viviam da pesca e cultura de subsistência, divididos em aldeias misturando cerca de 39 etnias, que sequer falavam  a mesma língua. Como mudar aquela realidade? 

            Bom, aqui tenho que dizer que se tem algo que meu avô não conseguia suportar, era passar por um fraco ou oprimido sem fazer nada. Como um bom Don Quixote, não suportava não lutar com um bom moinho de vento.  E por conta disto, nós costumávamos até brincar com ele. Mas desta vez não tinha como impedi-lo.

            Decidido a ir a África, com seus 82 anos, para ajudar a construir aquela escola, na Aldeia de Iemberem, no meio da reserva do Tombali, em Guiné-Bissau. Em um projeto conjunto de algumas igrejas, liderados à época pelo meu tio, o Pr. Luis Bandeira, Presidente da Missão A fim de proclamar, abraçamos aquele projeto.

            E é desnecessário dizer que ninguém conseguiu convencer meu avô que a viagem seria muito arriscada para alguém da sua idade. Tentamos o mesmo argumento quando ele foi pela última vez, aos 84. Mas vencidos por ele, e sua argumentação cativante, ainda o apoiamos em tudo. E não muito tempo depois aquela escola estava em pé!

            Como eu fui parar lá? Bom, eu fui seguindo os passos do meu herói. E isto me rendeu uma das experiências mais marcantes da minha vida. E após a sua morte, ele ainda exerce efeito sobre mim. Confesso que este Sancho Panza, em meio aos seus próprios delírios, tenta por vezes, montar o Rocinante e desafiar seus próprios dragões.

            O fato é que meu avô não era uma pessoa neutra. Era simplesmente impossível passar por ele e não ser tocado, transformado, animado. Por conta disto, muitos eram o que o chamavam de Vô José, se auto-proclamando netos dele. Pois os que chegavam perto, se sentiam acolhidos por ele.

            Aos 86 anos, enquanto ele planejava a sua última ida à África, meu avô foi pego de surpresa pela morte, enquanto dormia.

            Entre nós, costumamos dizer que ela só pôde prevalecer sobre meu avô porque o pegou de surpresa, do contrário haveria uma boa briga!

            Mas isto aconteceu em Curitiba, e o serviço fúnebre foi realizado em um templo, que esteve lotado com aproximadamente quinhentas pessoas.

            Dali seguiu-se uma carreata para o cemitério aonde seria depositado o seu corpo. E se formou então uma fila enorme de carros, que acabou por parar o trânsito da cidade por onde passávamos. Em um dado momento, um de meus primos, o Lucas, que estava em um dos carros que seguiam esta verdadeira comitiva, ficou parado em meio ao trânsito, aguardando a oportunidade de avançar. Foi então que um transeunte se aproximou dele perguntando:

  • Ei moço, Quem foi que morreu? É algum político?

Ao que ele respondeu:

  • Você não sabe quem morreu? Foi o meu avô, José Vargas!

 Dr. Ivan Vargas Rodrigues

Presidente da Missão São Lucas

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